sábado, 30 de julho de 2011

Queijo minas (Marcilio Godói)


Trago na bagagem há tempos esse pequeno disco de massa clara e úmida, todo feito de fraternidade e previdência. Imensa aspirina, às vezes minúscula lua, serve-me de amuleto e inspiração esse naco de terra cal molhada, moldada em forma instável, envolto firme em barbante, guardado no mais fundo de meu embornal.
É uma reserva, é uma réstia, é uma hóstia, é uma haste, é uma hoste. É a posta restante e emergencial em mim de todo o amor de minha mãe. Pelo labirinto da cidade de São Paulo trafego, rodo cuidadoso pela calçada essa grande roda alva e macia, escudo tão frágil, fuste de minha colunata feita apenas de leite e alguma confiança nos homens.
Ao chegar em casa cansado, arremedo do poeta em rotação universal, pronto coloco-o a girar em minha antiga vitrola em formato de louça. O queijo, não o poeta. Que ele não nos ouça. Acalenta-me ouvir o ranger de portas e porteiras antigas, a algaravia dos bichos, os muxoxos tão sábios dos velhos, ruídos que me confortam e me trazem de volta o vento que estremece aquela pequena roseira que ainda floresce junto à parede da cozinha de nossa casa, dentro de um pneu. E o que teria o queijo minas a ver com isso? Não sei. Só sei que o queijo minas tem a ver com tudo. Com tudo o que tenho, vejo e sou, eu. E sinto, com essa agulha e essa faca a me desretalharem o peito.
O queijo minas não rivaliza a milinacabável arquitetura cabralina de um ovo. Mas lhe é superior no design que bem se empilha e se acondiciona confortável em seu transporte, de sorte que, desarmado, sem nunca disparar seu conteúdo-bala incontinente, é igualmente túmido e tímido, como a gente.
Quarto estado da matéria, o queijo minas é o satélite que gravita na órbita de um desejo inconfessável. O amor cotidiano lhe cai bem e lhe cabe como cabe à goiabada e ao doce de figo. Por isso, o queijo minas é o melhor amigo, o antídoto para todo esquecimento. E nos lembra de tudo e todos desde a mais remota origem do vento.
O mineiro que é mineiro mesmo não se envergonha de pedir ao gênio da lâmpada um queijo minas por desejo concedido. Ele sabe o que há de reflexão nessa refeição intransitiva, pois o queijo minas não nos exige complemento algum. O queijo minas é um.
O queijo minas é tão indispensável que nunca vai parar na despensa. A não ser que se queira sua cura. Mas quem disse que a um queijo minas se dá o tempo de ficar doente? O queijo minas, carne branca light, é uma pequena pastilha do céu em vida. em vida. 
Copiado de  www.primeiroprograma.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário