quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

O Natal do pebolim De Sergio Antunes

Meu Natal inesquecível foi no ano em que eu ganhei um pebolim. Para quem não conhece, eu explico. Pebolim é um jogo feito num caixote de madeira, dobrado ao meio parecia mala, aberto virava um campo de futebol. Trazia os bonecos com uniforme de times pintados, presos a varões de madeira, oito ao todo, que transpassavam o campo, de modo que pudessem ser acionados, os varões e os bonecos, quatro de cada lado, em movimentos sincronizados, marcando gols com uma bola de ping-pong. O meu pebolim era o São Paulo jogando eternamente com o Palmeiras.
Minha casa, a casa da minha infância, tinha uma sala mineira. Explico de novo. Sala mineira é um cômodo que permanece sempre fechado para não empoeirar, que só é aberto para receber visitas ou em ocasiões especiais. Era lá, na sala mineira, com o quadro do Sagrado Coração de Jesus vigiando, que o presépio era montado e a árvore de Natal era armada.
Minha mãe mandou fazer um tabuleiro. Era imenso para meus pequenos olhos de criança. E quando chegava dezembro, eu e meu irmão cumpríamos o ritual. Consistia em pegar o tabuleiro e dois cavaletes, que ficavam guardados no porão, limpar as teias de aranha, forrar com jornal e colocar num canto da sala mineira. Ficava lá até o Dia de Reis.
Tabuleiro no lugar, o trabalho era encher de terra, cavada generosamente no quintal, debaixo da parreira. A terra era coada com peneira de cozinha e transportada em balde. Assim que o tabuleiro ficava cheio, era hora de montar a manjedoura, encaixar as paredes e o telhado e enfeitá-la com um berço improvisado e povoá-lo com as figuras gesso de José, Maria, três personagens sobre camelos, uma vaca, um burro e um galo, este desproporcionalmente grande, colocado no telhado, além de uma estrela prateada com cauda, presa num arame.
Depois, meu irmão, que era mais velho e era jeitoso, construía morros de papel, rios de espelho, campos de pó-de-serra tingido com anelina verde e jardins de alpiste. Conforme o ano, ele exagerava e construía rios de água corrente com moinhos e monjolos e povoava os rios com patos, cisnes e marrecos. Às vezes eu conseguia colocar um cauboi montado num cavalo, transportado diretamente do Forte Apache para prender malfeitores eventuais.
O ato final era o de colocar o menino Jesus no berço, uma imagem de criança com braços e pernas abertas e aparência de uma criança de seis meses, no mínimo. Mas, quem ligava pra isso?
E tinha a árvore, guardada numa caixa sobre o guarda-roupa, com três partes que se encaixavam, depois de ter seus galhos e ramos abertos, os maiores em baixo, ficava com o dobro do meu tamanho. Minha mãe prendia as bolas nos ramos, algumas sempre quebravam, e enfeitava os ramos com fios vermelhos e dourados. Por último, com a minha indispensável ajuda, fazia nevar na árvore, esvaziando dois ou três rolos de algodão.
Tudo ficava montado na sala mineira, porta fechada e chaveada, para aguardar a grande noite do dia 24. Era quando a família, com avós, tios, tias e primos, se reunia em volta da mesa farta de castanhas assadas pelo meu avô e rabanadas cozinhadas pela minha avó. “Que horas são” era a pergunta repetida a cada cinco minutos e quando era exatamente meia-noite a sala era aberta no meio da ceia e a gente encontrava a árvore rodeada de pacotes coloridos, cujos invólucros eram dilacerados em minutos pela criançada.
Foi o caso do pebolim. Naquele ano o nosso Natal recebia a visita dos compadres dos meus pais, seu Labriola e dona Aldenora, pessoas de quem nunca esqueci por estarem ligadas inexoravelmente ao meu pebolim.
Agora, quando me convidam para comemorar os Natais, com festas em bares com ruidosos pique-piques, ou mesmo nas casas, com árvores de plástico e presépios de cartolina, digo não, muito obrigado.
Natal sem ilusão, Natal sem neve de algodão, Natal sem o seu Labriola e a dona Aldenora, Natal sem pebolim, sinto muito, não tem a menor graça.

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