segunda-feira, 31 de outubro de 2011

Do Primeiro Programa


PERSONAGEM

Em 1902 nasceu o poeta do século XX, Carlos Drummond de Andrade, em ltabira (MG) 

Divulgação/ Arquivo

Pode ser que sua sina já tentava se manifestar desde pequeno. Incompreendido, Drummond chegou a ser acusado de "insubordinação mental" e foi expulso do colégio. Em 1921 começou a colaborar com o Diário de Minas. Sua família exigia um diploma, então formou-se em farmácia, mas nuca trabalhou com isso.
Nessa época, já redator do Diário de Minas, tinha contato com os modernistas de São Paulo. Na Revista de Antropofagia publicou, em 1928, o poema "No meio do caminho", que provocaria muito comentário.
Drummond pode ser considerado um homem burocrata, em 1934 assumiu um cargo público no governo Vargas. Sempre muito organizado, quando morreu, toda a sua obra que seria publicada estava bem organizada.

Em 1945 tornou-se co-diretor do jornal do comunista Luís Carlos Prestes e depois passou a trabalhar no então Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional. Drummond foi cronista depois de aposentado (antes também, mas principalmente depois) e era preocupado com a profissionalização do escritor, tendo ajudado diversas fundações para a classe. Além de cronista, o autor também fez contos e escreveu um livro infantil ilustrado por Ziraldo.
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Mas é como poeta que ele se destacou. Sua obraAlguma Poesia, de 1930, inaugurou a segunda fase do Modernismo. Nela aparecem muitas características da primeira fase, como o poema-piada, mas começam a aparecer preocupações sociais e políticas, como a crítica aos regimes de exclusão então em pleno vapor e crescendo. O primeiro poema de Alguma Poesia é o conhecido "Poema de sete faces”:
Quando nasci, um anjo torto
desses que vivem na sombra
disse: Vai, Carlos! ser gauche na vida.
A palavra gauche (lê-se gôx), de origem francesa, corresponde a "esquerdo" em nosso idioma. Em sentido figurado, o termo pode significar "acanhado", " inepto". Qualifica o ser às avessas, o "torto", aquele que está à margem da realidade circundante e que com ela não consegue se comunicar. É assim que o poeta se vê. Logicamente, nesta condição, estabelece-se um conflito: "eu " do poeta X realidade.
Variantes da palavra gauche - como esquerdo, torto, canhestro - aparecem por toda a obra de Drummond, revelando sempre a oposição eu-lírico X realidade externa.


A partir de 1962 surgiram poesias com tendências concretistas, mas o melhor seria exemplificar como o próprio autor dividiu e classificou suas poesias e as temáticas destas: o indivíduo, a terra natal, a família, os amigos, o choque social, o conhecimento amoroso, a poesia em si, exercícios lúdicos e uma visão (ou tentativa de) existência. Outras características de sua obra incluem um fino humor, uma angústia diante da morte, a capacidade de surpreender o leitor e a monotonia da vida.
Muitos poemas de Drummond funcionam como denúncia da opressão que marcou o período da Segunda Grande Guerra. A temática social, resultante de uma visão dolorosa e penetrante da realidade. A literatura comprometida com a denúncia da ascensão do nazi-fascismo.

O tempo é um dos aspectos que concede unidade à poesia de Drummond: o tempo passado, o presente e o futuro como tema.
Toda a trajetória do poeta é marcada por uma tentativa de conhecer a si mesmo e aos outros homens, através da volta ao passado, da adesão ao presente e da projeção num futuro possível.

O passado renasce das lembranças da infância, da adolescência e da terra natal. A adesão ao presente concretiza-se quando o poeta se compromete com a sua realidade histórica (poesia social). O tempo futuro aparece na expectativa de um mundo melhor, resultante da cooperação entre todos os homens.

A terra natal - ltabira - transformou-se no símbolo da atmosfera cultural e afetiva vivida pelo poeta. Nos primeiros livros, a ironia predominava na observação desse passado; mais tarde, o que vale são as impressões gravadas na memória.

Da análise de sua experiência individual, da convivência com outros homens e do momento histórico, constatou que o ser humano luta sempre para sair do isolamento, da solidão, questionando a existência de Deus.

Nos primeiros livros de Drummond, o amor merece tratamento irônico. Mais tarde, o poeta procura capturar a essência desse sentimento e só encontra - como Camões e outros - as contradições, que se revelam no antagonismo entre o definitivo e o passageiro, o prazer e a dor. No entanto, essas contradições não destituem o amor de sua condição de sentimento maior. A ausência do amor é a negação da própria vida. O amor-desejo, paixão, vai aparecer com mais freqüência nos últimos livros.

Em agosto de 1987 morreu sua única filha, Julieta. Doze dias depois, o poeta faleceu. Tinha publicado vários livros de poesia e obras em prosa - principalmente crônica.
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Em vida, já era consagrado como o maior poeta brasileiro de todos os tempos. Depois da morte de Drummond, reuniu-se no livro O amor natural uma série de poemas eróticos mantidos em sigilo e que foram associados a um suposto caso extraconjugal mantido pelo poeta. São poemas bem audaciosos, em que se explora o aspecto físico do amor. Alguns vêem pornografia nestes poemas; outros, o erotismo transformado em linguagem da melhor qualidade poética.
Entre suas obras destacam-se Alguma poesia (1930); Brejo das almas (1934); Amar se aprende amando (1985); O amor natural (1992) e Confissões de Minas (1944) - ensaios e crônicas.


Leia especial extraído da IstoÉ – O Brasileiro do Século, sobre o poeta
:

O homem de óculos, sisudo e magricela apressa o passo até alcançar a criança agarrada ao braço da mãe. De repente, ele puxa a dentadura para fora, arregala os olhos e abre as mãos como se fossem garras. "Olha lá! O monstro!", berra o menino. A mulher, aflita, espia o velhinho, que está outra vez tímido e compenetrado. "Pára com isso, não me faz passar vergonha." Mal ela retoma o andar, o garoto olha para trás e depara com o desconhecido de lentes ferozes. "Socorro!" A essa altura, o vampiro está outra vez carrancudo. "Pára de mentir, moleque! Vai apanhar quando chegar em casa!" A mãe arrasta com força o braço da criança, que arrisca virar-se uma última vez para olhar a terrível criatura dando-lhe um adeuzinho simpático e amistoso.

Carlos Drummond de Andrade, "o poeta de todas as pessoas que nasceram no Brasil no século XX", segundo o diretor de teatro Flávio Rangel, era um urso polar de tão arredio. Mas não renunciava a brincadeiras como a do vampiro, que praticou com os três netos em casa e, depois que eles cresceram, transferiu aos pequenos anônimos que encontrava na rua. Era a combinação exata de um espírito rebelde e chapliniano e um comportamento social irretocável. "Era incapaz de furar uma fila, embora, reconhecido por caixas de bancos e supermercados, tivesse inúmeras oportunidades", contou a ISTOÉ o neto Pedro Augusto, 39 anos. Odiava homenagens e nunca aceitou o título de poeta maior. "O Murilo Mendes mede 1,80m, oito centímetros a mais." Mas, ao conversar com as moças, tinha a mania de repousar a mão no ombro delas, sem malícia. "Aí a mão ia descendo até encontrar a alça do sutiã, que ele agarrava e soltava, fazendo plim, plim, plim...", conta o cartunista Ziraldo.

Filho do fazendeiro Carlos de Paula Andrade e de dona Julieta Augusta, nasceu a 31 de outubro de 1902, em Itabira (MG). O modo de andar com os braços colados às pernas e a cabeça baixa ele aprendeu no colégio de jesuítas de Nova Friburgo (RJ), onde passou dois anos até ser expulso, em 1919, por "insubordinação mental". Estudante de Farmácia, em Belo Horizonte, ajudou a tocar fogo num bonde num protesto contra o aumento do preço do cinema. A piromania nem sempre tinha motivo ideológico. Incendiou um varal de roupas da casa de umas moças. Aí bateu à porta se oferecendo para apagar o fogo. Queria observá-las de camisola fugindo das chamas. Farmacêutico de canudo na mão, negou-se a exercer a profissão para "preservar a saúde dos outros".

Em 1925, casou com Dolores, mas também amou Lygia Fernandes, romance paralelo que durou 35 anos. Carlos tinha 49 anos (25 mais do que Lygia) e era chefe de arquivo do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional quando ela foi contratada como bibliotecária. "A paixão foi fulminante", afirmou ela ao jornalista Geneton Moraes Neto. Era um amor secreto, mas nem tanto. "Todo o Brasil sabia. Dolores era para as lidas domésticas (Carlos não sabia cozinhar um ovo). Lygia, mulher culta, era a verdadeira paixão", garante a italiana Vana Piraccini, dona da Livraria Leonardo da Vinci, no centro do Rio, que ele frequentou durante três décadas. Carlos passava a tarde no apartamento da namorada. Dançava como um cossaco na sala ao encontrá-la triste ou abatida. Ele se agachava, estirava uma perna, encolhia a outra e gritava: "Ei!" Uma vez, a mãe dela, que tinha a chave, fez uma visita inesperada. Lygia saltou da cama e mandou o poeta, em trajes sumários, se esconder atrás da porta. "Mãe, tranque a porta porque estou gripada e não posso tomar vento nas costas", inventou.

A mulher que ele mais amou, entretanto, foi a filha Maria Julieta (o outro filho, Carlos Otávio, nascido em 1927, viveu apenas meia hora), amiga e confidente, que morreu de câncer, em 1987. Carlos ficou desolado e pediu à sua cardiologista que lhe receitasse um "infarto fulminante". Não deu outra. Dias depois, a caminho do hospital, com edema agudo e falência cardíaca, pediu desculpas à médica: "Sou desastrado. Estou atrapalhando sua vida. Tanta coisa para fazer numa sexta-feira à noite." Morreu a 17 de agosto, numa clínica em Botafogo, de mãos dadas com a namorada, Lygia.

VOCÊ SABIA?

Imitava com perfeição a assinatura dos outros. Falsificou a do chefe durante anos para lhe poupar trabalho. Ninguém notou. Tinha a mania de picotar papel e tecidos. "Se não fizer isso, saio matando gente pela rua." Estraçalhou uma camisa nova em folha do neto. "Experimentei, ficou apertada, achei que tinha comprado o número errado. Mas não se impressione, amanhã lhe dou outra igualzinha".

OBRA-PRIMA

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