terça-feira, 14 de junho de 2011

Um espírito que permanece


O interesse por Che Guevara - morto na Bolívia em 1967 - já atravessa gerações. Sua vida, obra e pensamento multiplicam-se em livros, ensaios, desenhos, filmes. Só no site da livraria Cultura, por exemplo, encontram-se mais de 30 títulos sobre Che. O cineasta Walter Salles Jr. ("Central do Brasil") filmou "Diários de Motocicleta", filme-documentário que apresenta a aventura do jovem Ernesto (interpretado pelo mexicano Gael Garcia Bernal, de "Amores Brutos" e "O Crime do Padre Amaro") com o seu amigo biólogo Alberto Granado (o argentino Rodrigo de la Serna) pela América Latina.
Em 1952, quando os ideais revolucionários ainda não povoavam a mente de Guevara, os dois saíram sobre duas rodas em viagem pelo continente. Passados alguns meses, continuaram a pé, pois a "Poderosa II", a moto, quebrou. Che foi parar no México, conheceu Fidel Castro e se uniu à Revolução Cubana que depôs o ditador Fulgencio Batista, em 1959. O guerrilheiro seria morto sete anos mais tarde, em Higueras (Bolívia), ainda lutando pelo seu ideal libertário. O longa-metragem de Walter Salles foi produzido pela Southfork (EUA) e pela Film Four (Inglaterra), e editado em Los Angeles.
Com Fidel, Che foi um ícone da luta por ideais libertários e revolucionários, nas décadas de 60 e 70 em todo o mundo. No entanto, ao contrário de Castro que mantém o poder em Cuba, a mesma aura permanece em torno dele. Sua utopia da transformação do homem atravessou gerações e continua exercendo influência sobre adultos e até sobre jovens que nem haviam nascido quando ele morreu.
Que fenômeno é esse, afinal? Em recente entrevista de Lygia Fagundes Telles, publicada sobre os 30 anos do livro "As Meninas", a autora fez uma referência ao assunto. "Ontem passei por uma jovem que vestia uma camiseta com o rosto do Che Guevara, o mesmo Guevara que está em meu livro. As coisas continuam, o tempo é uma roda. Ontem, 30 anos depois, eu encontrei com uma de minhas personagens em uma rua de São Paulo. Uma menina frágil, feliz com sua camiseta", observou ela.
"É bonito ver isso, tão mutável e ao mesmo tempo imutável em sua essência. Essa luta, esse desejo de ser feliz e nunca chegar à felicidade, mas o desejo permanece. Uma luta sem tréguas, isso é a vida", disse ela. O historiador Jean Rodrigues Sales tem uma visão menos poética e mais concreta sobre o tema. Ele fez mestrado no departamento de história da Unicamp sobre o PC do B e atualmente prepara doutorado sobre o impacto da Revolução Cubana nas esquerdas no Brasil nos anos 60. "Aquela revolução, com os ideais de transformação social e com a proposta de Che de chegar ao homem novo, teve grande significado naqueles anos e a simbologia que a envolve é um dos motivos que a faz persistir até hoje", diz ele.
"Passaram pelo menos duas gerações e você encontra jovens, da juventude do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) aos que usam roupa de grife, vestindo a camiseta do Che. Parece estranho, mas faz sentido: o verdadeiro símbolo e ícone da Revolução Cubana é ele, não Fidel", continua. Para o historiador, Castro representa a concretude dessa revolução, que hoje resultou em uma sociedade fechada, uma ditadura onde não há liberdade democrática.
"Ele representa tudo isso, ao passo que Che representa o primeiro espírito da revolução dos anos 60", explica Sales. "Sobretudo pelo fato de ele ter morrido e, mais ainda, pela forma como ele morreu: tentando colocar em prática aquilo que pregava, a transformação e libertação da América Latina", continua ele. Em suas palavras, essa idéia libertária, de questionamento, de busca de novos valores e de inquietação com o que está acontecendo no mundo avaliza o apego da nova geração a Che e a seus símbolos.
Para Aleida March (foto), viúva de Che e diretora do Centro de Estudos Che Guevara, em Cuba, a memória do guerrilheiro "está viva como corresponde ao seu modo de atuar que foi alheio a dogmas e esquemas". Maria del Carmen Ariet, sua assessora, observa:
"É importante refletir quanto à validade e contemporaneidade da figura de Che, sobretudo, se avaliamos a sua influência e presença em mundos tão díspares como o da Europa ou da Ásia." Em sua opinião, essa motivação deriva de múltiplas razões. "Mas, em especial, prima pela coerência na forma de atuar e de pensar de um homem que entregou a sua própria vida a causas tão comuns, como a igualdade, a justiça social e a solidariedade; são valores e princípios comuns a toda a humanidade."
A sede do Centro de Estudos Che Guevara fica na antiga casa onde ele viveu com a sua família - de 1962 a 1966, quando, depois de passar pelo Congo Belga, deixou definitivamente Cuba com destino à Bolívia. Estatal, o instituto coordena e divulga o estudo e conhecimento do pensamento, vida e obra do comandante Guevara, dentro e fora da ilha, "pela transcendência de seu legado teórico-prático e ético e pela vigência e validade no mundo globalizado de hoje".

Recentemente, em 1997, com os 30 anos da morte de Che, houve uma grande produção de livros sobre o assunto. Essa efeméride foi muito mais marcante que a dos 40 anos da Revolução Cubana, em 1999. A morte de Che Guevara não significou a derrota de um projeto mas o enaltecimento de sua capacidade heróica de lutar até o fim pelos seus princípios. O espírito "guevariano" permanece…

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