terça-feira, 30 de novembro de 2010

Não se deixe em paz (por Alexandre Pelegi)

Se você não me queria / Não devia me procurar / Não devia me iludir / Nem deixar eu me apaixonar...
A letra do antológico samba de Monsueto (“Me deixa em paz”) continua atualíssima quando o assunto é a relação amorosa. É tradição daquilo que gosto de chamar de “universo sentimental” a prática de imputar aos outros a responsabilidade por aquilo que sentimos. Não fora assim e as músicas dor-de-cotovelo não teriam tamanho espaço no cancioneiro popular... É como se todos cantássemos, em estado de fossa, “se ele(a) não queria, não devia ter deixado eu me apaixonar”.
É nesse instante que é preciso tirar o cotovelo do balcão e perguntar na contramão: “Você tem controle sobre o que os outros sentem por você?” A resposta, óbvia, só poderia ser um “é claro que não!”. Os sentimentos que nutrimos pelos outros muitas vezes não guardam relação com o que o outro é, nem com o que faz, mas com o que ele suscita em nós. Estamos aptos o tempo todo a sentir coisas, a preencher carências, a ocupar espaços vazios que trazemos e muitas vezes cultivamos. Sim, cultivamos, pois há gente que adora enxergar na tristeza um estado d’alma permanente...
Ao dizer que alguém suscita algo em nós me refiro à mais universal verdade da vida: nós provocamos sensações às mais diversas a qualquer pessoa. Repito: qualquer pessoa. Muitas vezes alguém que mal conhecemos passa por nós na rua e esse fato nos induz a algum tipo de sensação involuntária. Sentimos asco, atração, medo, tudo isso sem qualquer predisposição. Sentimos e pronto. E o outro mal sabe, e talvez morra sem jamais saber...
Se ouvir música dor-de-cotovelo é agradável, ou se curtir uma fossa de quando em vez é um exercício para o autoconhecimento emocional, repensar as responsabilidades envolvidas em nossos sentimentos é tarefa obrigatória.
"Temos, todos que vivemos,
Uma vida que é vivida
E outra que é pensada.
E a única vida que temos
É essa que é dividida
Entre a verdadeira e a errada."
Parafraseando o poeta Fernando Pessoa, poder-se-ia dizer que temos uma vida que é vivida e outra que é sentida. Mas por ser a única vida que temos, ela pode ser bastante melhorada se conseguirmos aproximar o que vivemos daquilo que sentimos. Começando, quiçá, por descobrir em nós as motivações maiores para aquilo que esperamos do próximo.
  

Texto copiado http://www.primeiroprograma.com.br/

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